Gazeta do Povo:
Às vésperas da eleição para presidente do Atlético, marcada para quinta-feira, a chapa Paixão pelo Furacão traz à tona documentos e contratos que indicam péssimos negócios realizados por Mario Celso Petraglia à frente do clube.
Os papéis foram obtidos com exclusividade pela Gazeta do Povo e apontam uma triangulação entre o Rubro-Negro e o Rentistas, associação minúscula de Montevidéu comandada pelo empresário Juan Figer.
De acordo com as certidões contratuais, duas negociações– ocorridas há mais de uma década – fizeram jorrar cerca de US$ 18,3 milhões nos cofres dos Bichos Colorados (apelido da equipe uruguaia) graças à parceria com o homem-forte atleticano. Lucro equivalente hoje a R$ 69,4 milhões que poderia ter reforçado a receita na Baixada.
A denúncia faz parte do fogo cruzado político na Arena. A disputa para suceder Marcos Malucelli e comandar o clube pelos próximos três anos – período que engloba os preparativos para a Copa do Mundo no Brasil – apresenta ataques de ambos os lados. Ontem à tarde, o grupo CAPGigante, liderado por Petraglia, levantou suspeita sobre a vinda do atacante Morro García. A transação, segundo os opositores, seria lesiva aos cofres atleticanos.
Entre as negociações denunciadas pela Paixão pelo Furacão está a do lateral-direito Alberto, firmada em 1999, uma síntese da conexão uruguaia. O jogador deixou a Baixada rumo ao Rentistas como destaque da jornada que levou o Furacão à sua primeira Libertadores, na conquista da Seletiva. O contrato entre as partes pela cessão do atleta é do dia 10 de dezembro e estabelece o pagamento de US$ 1,5 milhão, dividido em duas parcelas de US$ 750 mil.
Vinte dias depois, os uruguaios venderam o atleta por US$ 6,6 milhões, para a Udinese-ITA, valor registrado em um comunicado oficial da Federação Italiana de Futebol, de número 507, emitido dia 27 de junho de 2001. Mesmo sem ter vestido nem uma vez sequer a camisa colorada, o ala reconhecido pelos cruzamentos envenenados valorizou cerca de 440%.
A condição de entreposto do Rentistas já foi matéria de investigação da CPI do Futebol, deflagrada entre 2000 e 2001, e terminou tachada como uma manobra para burlar o pagamento de impostos no Brasil – os clubes se aproveitavam, ainda, do trânsito livre de Figer no mercado da bola.
Além de Alberto, outras revelações atleticanas trilharam o caminho dos Pampas antes de conhecer a Europa. Caso de Lucas. Desta vez, o carimbo do Rentista surgiu logo em seguida da contratação do atacante – junto ao Botafogo-SP, em 1998 –, quando ele ainda buscava um lugar no CT do Caju.
Lucas chegou como parte de um “pacote”, vindo de Ribeirão Preto, na companhia do zagueiro Gustavo e do volante Cocito – ambos também fariam história no Atlético como titulares do título brasileiro em 2001. O avante teve adquirido 100% de seus direitos por R$ 600 mil, no dia 20 de abril de 1998. Os dois defensores custaram menos: R$ 400 mil cada.
Menos de quatro meses depois, dia 10 de agosto, o Rentistas compraria 50% do trio de promessas. Para ter participação sobre Lucas, precisou desembolsar R$ 500 mil. Quase dois anos depois, no dia 25 de julho de 2000, o camisa 9 acabou transferido para o francês Rennes, na transação mais cara de todos os tempos do futebol brasileiro: US$ 21 milhões, cifra divulgada amplamente pela imprensa na oportunidade.
Como de costume, o Rentistas também se deu (muito) bem com a saída do autor do gol inaugural da Arena. Um dia antes da partida de Lucas para a pequena cidade de Rennes, a duas horas de Paris, os uruguaios arremataram os outros 50% do atleta, ao custo de US$ 7,5 milhões.
Fazendo os cálculos – incluindo todas as idas-e-vindas do atleta e considerando a cotação do dólar na ocasião – o Atlético faturou algo em torno de R$ 13,4 milhões ao desfazer-se de seu avante. Já o parceiro arrecadou cerca de R$ 23,7 milhões. Lucas jamais pisou nas canchas enlameadas de Montevidéu.
Nos contratos, não há a assinatura de Petraglia, que atendia como diretor de marketing do clube, então presidido por Ademir Adur. Constam as rubricas de Alberto Maculan, diretor superintendente, e Maria Aparecida Gonçalves, diretora financeira. Petraglia, conforme noticiou a Gazeta do Povo à época, ciceroneou Lucas na chegada ao Velho Mundo.
Ao longo do período em que Petraglia ditou as regras no Caldeirão, mais transações foram acertadas com a participação do Rentistas – mesmo após ter visto a agremiação de Figer levar a melhor. Entre elas, a do lateral-esquerdo Fabiano, a do volante Cocito, a do meia Adriano e a do atacante Alex Mineiro. Todos passaram pela conexão uruguaia antes de sair do país.